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quinta-feira, 6 de março de 2008

Considerações acerca do show de Bob Dylan no Brasil

Ontem, dia 5 de março de 2008, eu assisti a um show do Bob Dylan. Vi um verdadeiro cânone do rock e do folk em ação, e, contrariando a opinião da maioria, achei-o em grande forma. Se vocês, antes de lerem o meu post, derem uma passada de olho na matéria do G1, por exemplo, podem chegar a pensar que eu não vi o mesmo show que o autor do texto. Eu não vi mesmo, e aí é que está toda a diferença.

O que boa parte da platéia presente no Via Funchal ontem não entendeu é que estava vendo um Bob Dylan ainda criativo, com uma produção de alto nível, não um compositor acomodado. De fato, seria mais fácil ao Dylan, já velhinho, viver dos seus grandes sucessos do passado, descansando as costas em qualquer mansão. Mas ele é, antes de tudo, um artista, e um artista sincero não pode se acomodar nunca. Por isso que ele continua gravando discos primorosos, como o seu último Modern Times (2006), e é também por esse motivo que ele dedicou mais de um terço do show de ontem a este mesmo disco. Eu, sinceramente, considero o fato de ele ter tocado clássicos como “Like a Rolling Stone”, “All Along The Watchtower” e “Stuck Inside Of Mobile With The Memphis Blues Again” uma espécie de favor concedido ao público, quase um gesto de simpatia. Algo como “eu sei que a maioria de vocês está aqui para ouvir essas músicas, então vamos a elas”. Bob Dylan está tão acima do bem e do mal que ele poderia tranqüilamente ter apenas tocado as músicas novas e não precisava ter trocado uma palavra sequer com o público. Mas, não, ele tocou clássicos e até disse, no final, “thank you, friends” (eu prefiro, de longe, um “thank you, friends” sincero a um poser abraçando a bandeira do Brasil). E há ainda quem reclame...


É patente um outro motivo para boa parte do público não ter achado a apresentação de Dylan absolutamente primorosa, como eu e minha caríssima amiga Luísa Pécora achamos. A voz rouca, grave e rasgada do Dylan de hoje é muito diferente da dos anos 60 e 70. Ele não consegue mais cantar notas longas (como o “meaaaaaaaaal”, de "Like a Roling Stone") e muda o tempo de quase todas as melodias, de uma maneira que fica quase impossível acompanhá-lo cantarolando. Em suma, ele não quer e nem pode mais cantar como antigamente. As únicas músicas fiéis ao registro do disco foram as do último álbum, obviamente. Isso só ratifica o fato de que o show de ontem foi da fase Modern Times do Dylan, não de qualquer outra.


No fim das contas, para aproveitar o show ao máximo era necessário chegar ao Via Funchal com quatro premissas na cabeça. Primeira: “esse show é dedicado, principalmente, ao último disco, que é muito bom”. Segunda: “a voz de Bob Dylan está absolutamente diferente, mas fica ótima nas músicas mais recentes”. Terceira: “Bob Dylan não é um showman poser e não fará das tripas coração para agradar a platéia” Quarta: “eu sou fanático por Bob Dylan, porra”. Se uma parte um pouco maior do público viesse com isso na cabeça, a catarse coletiva, certamente, seria maior. Mas isso seria querer demais. Bob Dylan sempre teve uma relação complicada com a platéia. Ele sempre esteve um passo a frente do público e, por isso, tem uma coleção de apresentações vaiadas no seu currículo.


Agora, passo a descrever o show que eu e Luísa Pécora vimos, ou seja, o show de quem, modéstia à parte, tinha essas premissas na cabeça.


O show começou com o rockão de Blonde On Blonde (1966) “Leopard-Skin Pill-Box Hat”, com Dylan tocando guitarra (três músicas depois, ele passou ao teclado e por lá ficou até o fim do show) e ficou claro que tanto ele quanto a banda (ótima, diga-se de passagem) ainda estavam um pouco desconfortáveis. Depois, veio outro clássico, “It Ain’t Me, Babe”, do disco Another Side Of Bob Dylan (1964) e a banda e Dylan começavam a mostrar que vieram, numa performance coesa. O som da casa estava bem melhor do que a tragédia que costuma ser a acústica em São Paulo. O microfone de Dylan estava altíssimo (até para que sua voz rouca aparecesse), mas era possível ouvir todos os outros instrumentos com clareza.


Depois, vieram mais dois clássicos “I’ll Be Your Baby Tonight”, de John Wesley Harding (1967) e “Masters of Wars”, de The Freewheelin’ Bob Dylan (1963), quando Dylan assumiu o teclado. Os arranjos das duas foram absolutamente diferentes dos registros dos discos e mais adequados à banda grande e plugada. Foi na quinta música, no entanto, “The Leeves Gonna Break”, um rock de seu último disco, que a apresentação, até então correta, começou a ficar magistral. A fidelidade ao disco finalmente apareceu e Dylan se mostrou absolutamente confortável cantando uma música feita para a sua voz atual. Estávamos, naquele momento, vendo e ouvindo o que Bob Dylan tinha de fato nos reservado. A platéia, no movimento contrário, foi um pouco menos calorosa nos aplausos das músicas novas, mas isso não intimidou Dylan, que continuou tocando músicas feitas da década de 90 para cá. Dali até o fim da primeira parte do show (antes do bis) foram só mais três clássicos: “Stuck Inside Of Mobile With The Memphis Blues Again”, de Blonde on Blonde e “Highway 61 Revisited” e “Like a Rolling Stone”, de Highway 61 Revisited (1965). Dentre as músicas recentes destaco duas - ambas do último disco -, minhas favoritas de todo o show: a calma, plácida e melodiosa (sim, a voz rasgada de Dylan pode ser melodiosa) "Spirit On The Water" e a melhor de todas, "Workingman Blues #2".


“Like a Rolling Stone” fechou a primeira parte do show e causou o maior furor na platéia, durante sua execução houve até uma invasão ao palco absolutamente desnecessária. Foi sensacional ver todo mundo finalmente extasiado, mas já dava para perceber que Dylan só estava deixando a platéia um pouco mais feliz.


Para o bis ficou guardada a surpresa final. Depois de “Thunder On The Mountain”, um rockão que abre seu último disco, Dylan tocou no teclado os três acordes inconfundíveis da maravilhosa e rara na atual turnê “All Along The Watchtower”, de John Wesley Harding (1967). A versão para banda apresentada ontem até me lembrou um pouco a de Jimi Hendrix. A execução foi irretocável e emocionante.


Alguns reclamaram da ausência de "Blowin In The Wind", eu não me incomodei. Primeiramente porque Bob Dylan contradisse a Folha de S. Paulo, que, no mesmo dia, deu uma matéria com o título infame de “A Chance de Dylan tocar Blowin In The Wind é de 87%" ou qualquer coisa assim. Não sei se Dylan sabia da notícia, mas ele, propositadamente ou não, mostrou que é imprevisível e que é absolutamente livre para fazer o que quiser no palco. Depois, Bob Dylan é muito maior que "Blowin In The Wind" e ele tem tantos outros sucessos, até melhores, que a música não fez a menor falta.


Para quem não ouviu, abaixo está o link para o Download de Modern Times, o disco mais bem representado da noite.


Ficha Técnica




Modern Times – Bob Dylan
Lançamento original: agosto, 2006
Gravadora: Columbia


Músicas para download

1. Tunder On The Mountain
2. Spirit On The Water
3. Rollin’ And Tumblin’
4. When The Deal Goes Down
5. Someday Baby
6. Workingman’s Blues #2
7. Beyond The Horizon
8. Nettie Moore
9. The Levee’s Gonna Break
10. Ain’t Talkin’

PS: Daniel, Dylan se saiu muito bem ao teclado, ele tocou bem, de pé e se divertiu bastante. Na guitarra ele estava bem mais desconfortável.

PS2: Desculpem-me, meus caros amigos do Ferrugem.., pelo tom de confissão deste post, mas ele foi necessário.

7 comentários:

daniel marques disse...

Arrepiante! pela segunda vez no dia lamentei a falta de dinheiro...primeiro, porque a luísa já havia falado do show comigo e eu fiquei arrepiado de saber que ele tocou, entre outras, "all along the watchtower". Agora, li e reli o texto em tom de confissão/desabafo do juliano e arrepiei pela segunda vez. Dylan é extamente isso: um artista.

se antes zuava as pessoas que iriam ao show era apenas por um misto de inveja e saudades.

Adriano Conter disse...

Os jornalistas desenvolveram o péssimo habito de ir a um evento cultural predispostos a criticá-lo. Ficam o show inteiro (ou filme, ou exposição) procurando defeitos. Nós do Ferrugem (afinal, somos jornalistas) não podemos esquecer que um show deve ter músicas bonitas, um filme deve contar uma boa história e uma exposição deve nutrir os olhos. Nada de o músico parecia velho, ou as cores daquele filme não são adequadas, ou aquela pintura é apenas uma releitura de não sei o que lá. Bom, parabéns Ju. Bela crítica.

Anônimo disse...

Tenho pouco a acrescentar ao post, já que concordamos em tudo, sobretudo na maravilha que são as canções de Modern Times (além das citadas, "When The Deal Goes Down" também foi emocionante, com aquela gaitinha inesquecível). Eu já adorava o disco, mas não estava preparada para o que vi e ouvi. A sensação de estar diante de um novo clássico, em especial um do MEU tempo, é indescritível. Como diria meu amigo Juliano, "onde o Dylan vai, a História vai atrás". E não só pelo que ele fez ontem, mas pelo que está fazendo agora. Tenho pena de quem não percebe isso.
PS - Acho por bem dizer que nosso amigo Juliano bateu o recorde mundial das palmas. Entre "Like a Rolling Stone", que encerrou o primeiro bloco de músicas, e "Thunder on the Mountain", que começou o bis, foram uns dez minutos de clap clap clap ininterruptos. A explicação dele: "Não consigo parar Lu, não consigo parar". Hahahaha...

Anônimo disse...

Vocês não sabem o que é, realmente, o Bob Dylan. Se tivessem nascido antes, aí sim, poderiam opinar.

Saiam das fraldas e aprendam a ver quando uma pessoa acabou.

Anônimo disse...

ok pessoal, agora só maiores de 50 anos podem opinar ou tecer comentários relevantes.

Anônimo disse...

olha dona terezinha, acredito que esse ser aí de cima pertence àquele típico grupo: ex-hippie que xingou o bob dylan quando este trocou o violão pela guitarra... representa, infelizmente, um grupo pior ainda...os cuzões.

Anônimo disse...

Meu pai nunca foi hippie, mas é sim um dos mais importantes coronéis do estado do Rio de Janeiro. E com certeza entende muito mais de rock do que esse tal de Daniel Marques, disfarçado de Tchu.